Cidade da Praia, 22 Fev (Inforpress) – Alguns especialistas na língua crioulo apelarem aos cabo-verdianos a terem o sentido de pertença e exigirem aos actores políticos a oficialização e o reconhecimento da língua cabo-verdiana e que ela passe a ser ensinada nas escolas.
No dia em que se assinala o Dia Mundial da Língua Materna, a Inforpress conversou com alguns linguistas, nomeadamente Marciano Moreira, Manuel Veiga, Adelaide Monteiro e Ana Karina Moreira.
A maioria lamentou o facto de os deputados não terem agendado a revisão da Constituição para ser introduzida a legislação sobre a oficialização da língua cabo-verdiana, uma vez que se estava no ano da revisão constitucional.
Para o linguista Manuel Veiga, o que faltou foi “vontade política”, isto porque qualquer partido poderia ter apresentado a proposta da “explicitação da oficialização”, visto que a língua “está praticamente oficializada”.
Este investigador criticou ainda o facto de a antiga ministra da Educação, Maritza Rosabal, não ter tido a “sensibilidade” de continuar com o projecto-piloto de ensino bilíngue do português e crioulo nas escolas.
Conforme sublinhou, uma vez que nem todos que estiveram no poder cumpriram com o seu papel, cabe agora à juventude, que “está a abraçar a causa da valorização do crioulo”, reconhecer no futuro o direito fundamental do povo de ter a sua língua valorizada.
Na mesma linha, a linguística e didáctica das línguas, Ana Karina Moreira, considerou que tanto a oficialização como o ensino da língua cabo-verdiana já deviam ter acontecido “há muito”.
“A paridade entre o crioulo e o português está salvaguardada, desde a primeira Constituição da República de Cabo Verde e é preciso passar das reflexões teóricas à prática, pois a língua é um elemento-chave de identidade e unidade nacional. É preciso que se priorize a questão”, sustentou.
Segundo a mesma fonte, há anúncios de introdução de línguas estrangeiras no ensino básico pelo Ministério da Educação, há cursos em vários idiomas, promovem-se mini cursos de mandarim, mas “deixa-se de lado o ensino formal da língua materna”.
Devido a essa não formalização, advertiu, ocorrem interferências que prejudicam a “proficiência dos alunos tanto em língua portuguesa como na própria língua materna”.
Por sua vez, o investigador Marciano Moreira, para além de criticar os deputados, também apontou o dedo à própria população cabo-verdiana que, a seu ver, não pressionou os partidos políticos para declararem a plena oficialização da língua cabo-verdiana.
Para este linguista, é controvérsia a história dos políticos de que é preciso criar condições, isto porque, defendeu, está explícito na acta da Assembleia Nacional de 20 de Julho 1999 o que é criar condições, mas estes “em vez de ler o que está escrito ficam a inventar”.
Criar condições, sustentou, é ensinar as pessoas a lerem e a escreverem com base no alfabeto oficial e, sublinhou, o lugar principal para isso é a escola.
Neste sentido, Marciano Moreira também criticou a antiga responsável pela pasta da Educação, que acusou de ter “matado o projecto bilingue e violado a Constituição da República”.
Por seu turno, a linguista Adelaide Monteiro diz temer que as pessoas “se confortem” com o facto de hoje em dia se falar muito o crioulo, haver “maior liberdade de expressão”, de muitas pessoas estarem a escrever livros em crioulo e de a cada dia surgirem mais produções literárias.
“Isso que é o meu medo para não confundirmos o número de livro que é editado em crioulo e para que as pessoas pensem que isso é suficiente, mas não é, nós ainda temos ainda muito caminho para percorrer, porque o grande e o único caminho são a introdução do crioulo nas escolas e a sua oficialização”, enfatizou.
Para a mesma, a fase de dizer que não se ensina a língua porque não há instrumentos não é verdade, pois hoje há instrumentos para ensinar e para estudar.
O Governo da IX Legislatura conferiu ao Crioulo/Língua Cabo-verdiana (LCV) o estatuto de Património Cultural Imaterial Nacional, em Julho de 2019.
O Dia Internacional da Língua Materna é comemorado em 21 de Fevereiro e foi proclamado pela Unesco em 17 de Novembro de 1999.
Foi reconhecido formalmente pela Assembleia Geral das Nações, que estabelece 2008 como o ano internacional das línguas.
O Dia Internacional da Língua Materna tem origem no Dia do Movimento da Língua, que é comemorado no Bangladesh (antigo Paquistão Oriental) desde 1952.