Bissau,02 Set 20(ANG) – O presidente da Comissão de Revisão Constitucional criada pelo Parlamento guineense desde 1994, ano da realização das primeiras eleições multipartidárias na Guiné-Bissau, criticou o Presidente da República por decidir criar uma outra comissão paralela para a revisão da Constituição.
Em entrevista à DW África, João Seidiba Sané, disse que há uma comissão criada pela Assembleia Nacional Popular, que é o órgão de soberania e representação do povo, « o único órgão que a Constituição dá poderes para ter iniciativa de revisão constitucional ».
« É um trabalho que começou não só nessa legislatura, mas vem desde a legislatura de 1994, praticamente. Porque a nossa Constituição foi adotada em 1973, com a proclamação do Estado da Guiné-Bissau. E neste ano foi criada a primeira Assembleia da República da Guiné-Bissau, que aprovou uma Constituição, que passou por algumas mudanças de revisão quando foi para a adoção do multipartidarismo ».
Seidiba continua dizendo que « foi assim que foi criada uma comissão multipartidária de transição, que efeutou uma revisão da Constituição que foi adotada no ano da independência ».
« Aquela Constituição estava prevista para ser utilizada nesse período e, após a eleição multipatidária, estava previsto um ajustamento. Foi o que aconteceu. Na legislatura de1994, criou-se uma comissão chamada ‘Comissão Eventual para a Revisão da Constituição e da Lei Eleitoral’. Logo depois da eleição de 1999, a legislação daquela altura adotou, portanto, a Constituição preparada pela comissão, com algumas introduções. Eu participei na comissão, como presidente, e sigo até hoje », relata.
Questionado sobre a comissão que o Presidente Umaro Sissoco Embaló acaba de apresentar para a revisão da Constituição, João Seidiba Sané reforça que só há uma comissão com o mandato da Assembleia Nacional Popular, com poderes para fazer uma revisão à Constituição.
« Ao nosso entender, não estamos numa refundação do Estado da Guiné-Bissau, mas sim numa revisão constitucional. E a nossa Constituição prevê que, no artigo 127, o único órgão competente para a revisão constitucional é a Assembleia Nacional Popular através dos seus deputados. Portanto, só com um terço dos deputados que compõem a Assembleia é que podem introduzir uma revisão constitucional na Assembleia ».
O presidente da comissão de revisão constitucional considera que há condições para continuar a trabalhar, uma vez que a sua equipa tem o apoio das Nações Unidas, através do UNIOGBIS (Gabinete Político da ONU na Guiné-Bissau). « Nós vamos conluir o trabalho e entregar o nosso relatório à plenária da Assembleia Nacional Popular, que é o órgão que criou a comissão ».
Para Seidiba, « tendo em conta o que reza a nossa Constituição, uma outra comissão que não seja a criada pelo Parlamento, é inexistente, porque é inconstitucional ».
No entanto, o jurista e deputado do Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15) Nelson Moreira disse terça-feira (01.09) que a última palavra sobre a proposta de projeto de revisão da Constituição da Guiné-Bissau cabe aos deputados do parlamento.
Nelson Moreia, também comentador político numa rádio de Bissau, ressalvou que ainda não leu em pormenor a proposta de revisão, mas admitiu que o « Presidente está a dar um impulso à comissão parlamentar de revisão » constitucional.
O Presidente da República Umaro Sissoco Embaló reuniu um grupo para criar propostas à Constituição. Mas, para o presidente da comissão parlamentar encarregue de fazer a revisão constitucional, o anúncio do chefe de Estado é « inconstitucional ».
A proposta do projeto de revisão constitucional feita pela comissão criada pelo chefe de estado, Umaro Sissoco Embaló reforça os poderes do Presidente, que passaria a presidir ao Conselho de Ministros, ao Conselho Superior de Defesa e ao Conselho de Segurança Nacional.
Umaro Sissoco recebeu, na semana passada, a proposta de projeto de revisão da Constituição que mandou elaborar a uma equipa de juristas guineenses, liderados pelo antigo ministro Carlos Vamain.
Sobre a nomeação do primeiro-ministro, o projeto de revisão modifica a reformulação relativa à nomeação e exoneração do primeiro-ministro, que passa a dizer que o Presidente nomeia ou exonera « tendo em conta os resultados eleitorais e a existência ou não de força política maioritária que garanta estabilidade governativa e por coligações ou alianças, depois de ouvidos os partidos políticos representados no Parlamento » – lê-se no documento citado pela agência de notícias Lusa.
Ainda de acordo com a proposta do chefe de Estado da Guiné-Bissau, só pode ser candidato ao cargo de Presidente da República quem tiver tido « residência permanente no território nacional nos cinco anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura », limitando as candidaturas de cidadãos que não residam no país.
Este ponto não agrada o Presidente do Movimento Guineense Para o Desenvolvimento (MGD), Umaro Djau, jornalista de carreira, residente nos Estados Unidos de América.
Djau, que disputou legislativas de 2019, afirma à DW África que a proposta é uma tentativa de exclusão política por parte do Presidente da República.
« A exclusão política a qual me refiro tem a ver com a tentativa de barrar quaisquer pessoas, ou prováveis candidatos às presidenciais na Guiné-Bissau, na eventualidade de essas pessoas estiverem a residir no estrangeiro, como é o meu caso. Com isto não estou a querer dizer que serei candidato à presidencial nas próximas eleições, mas há muitos guineenses com este tipo de aspiração ».
« A Guiné-Bissau tem cidadãos com carreiras e percurssos brilhantes na sua diáspora », considera o jornalista, que questiona: « quem tem medo dos quadros guineenses residentes no estrangeiro? Esses quadros são mais-valias, as suas contribuições serão fundamentais para a Guiné-Bissau ».
Umaro Djau lembra que as eleições legislativas e presidenciais tamém são extensivas à diáspora. « Se um guineense residente noutras partes de África e na Europa pode votar numa eleição, porque é que a mesma pessoa já não serve para se candidatar a um cargo público e político no seu país? », questiona novamente.
« Por tanto, não me restam dúvidas, qualquer artigo constitucional que prevenisse a candidatura de um guineense residente lá fora é uma atitude política calculada e repleta de má-fé ». E Djau considera aind aque a proposta do Presidente « é uma manifestação de egoísmo político e de medo em relação aos futuros oponentes. Este tipo de cálculo é injusto, imoral e contra a própria pátria ».
A proposta de projeto de revisão constitucional da Guiné-Bissau prevê a criação de um Tribunal Constitucional, que passará a dar posse ao Presidente da República. O chefe de Estado dará posse a todos os membros e escolhe quem preside ao órgão judicial. O mandato dos juízes do Tribunal Constitucional será de 10 anos, correspondentes ao dois mandatos presidenciais.